Artigo de Paula Louzano e Gregory Elacqua na Folha de São Paulo do dia (31/08/2011)
Há mais de dois meses, os estudantes estão em greve no Chile. Mais de 70% da população apoia o protesto. É paradoxal que o melhor sistema de educação da região esteja vivendo uma crise, enquanto o Brasil, com indicadores educacionais bem piores, pareça satisfeito.
O Chile tem o mais alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região. Noventa por cento dos jovens chilenos têm ensino médio completo, e mais de 50% estão no ensino superior. No Brasil, menos de 40% dos jovens conseguem terminar o ensino médio, e 10% chegam à universidade. Quanto mais gente em uma sociedade tem acesso à educação, maior é a demanda por sua qualidade e pela ampliação do acesso a níveis mais altos. Portanto, o Chile parece ser vítima de seu próprio sucesso. O país fez a lição de casa na educação básica.
Além de aumentar seu acesso e conclusão, ampliou a jornada escolar criando um único turno. Todos os alunos têm sete horas de aula, e os professores trabalham em uma só escola. O gasto por aluno, além de maior que o nosso, é proporcional à renda da família: as escolas que atendem aos mais pobres recebem mais dinheiro. A diferença no desempenho entre os pobres e os ricos já diminuiu, como mostrou a prova internacional do Pisa, mas a desigualdade ainda incomoda os chilenos.
Uma de suas reivindicações é que se escreva na Constituição que a qualidade da educação seja um direito garantido pelo Estado. O grande problema está no ensino superior - estopim das manifestações. Mais de 75% do gasto está nas mãos das famílias.
O aumento no acesso incluiu os mais pobres - sete de cada dez estudantes são os primeiros da família a ingressar em um curso superior-, mas eles têm dificuldades em pagar as mensalidades, e as bolsas de estudos são escassas.
As taxas de juros do crédito educativo são altas para o padrão chileno - de 6% a 8% ao ano-, e os graduados acabam comprometendo parte importante de sua renda no pagamento da dívida. Mais de 40% estão inadimplentes. Soma-se a isso a percepção de que o Estado chileno não é capaz de fiscalizar as universidades privadas, que por lei não podem ter lucro, nem de garantir que elas entreguem uma educação de qualidade.
O progresso econômico do país, a diminuição da pobreza e a entrada dos chilenos na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) aumentou a expectativa da sociedade sobre o seu desenvolvimento social.
Apesar de haver se distanciado dos países da região, o Chile olha para o mundo desenvolvido e percebe que ainda está longe de ser um país equitativo e justo. Os jovens chilenos, ao contrário dos brasileiros, não parecem dispostos a esperar até 2020 para ter uma educação de qualidade para todos. Devemos aprender com o vizinho que ampliou as oportunidades educacionais e transformou a educação em prioridade nacional.
Não há dúvidas de que o Chile vai sair fortalecido dessa "crise". Pena que nós, brasileiros, não estejamos passando pelo mesmo tipo de problema.
Paula Louzano é doutora em educação pela Universidade Harvard (EUA) e pesquisadora da Fundação Lemann. Gregory Elacqua é diretor do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Diego Portales, no Chile.
Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=79086
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